Uma vitória sobre a Argentina tem sempre um gosto especial. Independente se a partida valia um título praticamente simbólico, se foi disputada em uma Pequim repleta de poluição e em um estádio cujo gramado estava em condições questionáveis, o Brasil venceu seu maior rival – desta vez com direito a Messi, Di Maria e cia. Ou seja, venceu pra valer.
O recomeço do trabalho pós-Copa seria cercado de dúvidas, exigências e questionamentos. Dunga sabia disso. Tinha de saber. E sabia também, desde sua última passagem até a vexatória eliminação nesta Copa, que o futebol mudou. Como um todo e também no Brasil. Nos últimos anos, a Seleção apostava em seus grandes craques, jogadores que foram os melhores do mundo e conseguiam, com seu talento, carregar a Amarelinha rumo a títulos e mantê-la como a camisa mais temida no futebol. Mas esta safra foi se tornando escassa – não temos mais Ronaldos, Rivaldos e Ronaldinhos – e apostar somente na habilidade individual de alguns jogadores era tolice. Sozinho, Kaká, um dos últimos jogadores mágicos do nosso futebol, não conseguiu levar a Seleção ao título em 2010, assim como somente Neymar, em 2014, também não foi suficiente. Os craques estão em falta, há algum tempo – e é preciso se reinventar quando não se pode depender somente da habilidade de específicos jogadores.
Dunga, desta vez, parece ter entendido isso e sabe que a Seleção que precisa montar hoje deve ser mais inteligente do que genial ou fantástica. É preciso ser mais tático, e para isso quebrar alguns paradigmas. E o primeiro, e pelo visto mais importante até o momento, já foi quebrado: a necessidade de um homem fixo na área. Um centroavante. Desde a aposentadoria de Ronaldo, a Seleção viveu em busca de um substituto à altura. Luís Fabiano foi quem conseguiu o melhor desempenho, mas não teve muitas oportunidades após a Copa de 2010 e foi atrapalhado por uma série de lesões. Leandro Damião surgiu como grande revelação do Inter e trazia qualidades de um exímio centroavante, mas teve uma incrível queda de desempenho e hoje visivelmente passa longe de voltar a vestir a Amarelinha. E Fred, que foi heroico na Copa das Confederações, desapareceu durante a Copa do Mundo, deixando a pior impressão possível e a sensação de que talvez não teríamos mais um jogador digno de vestir a lendária camisa 9.
Pois bem: Dunga convocou Diego Tardelli e entregou-lhe a camisa 9 de Ronaldo. A do centroavante, o homem-gol tão esperado. Mas Tardelli não é um centroavante de ofício – ele busca a bola, puxa a jogada do meio às pontas e somente por vezes faz a função do pivô, mas nunca ficando preso à grande área. Também ajuda muito na marcação. A principal aposta de Dunga foi alterar a função de um único jogador, e através desta, mudar a forma de atuação de todo o time. E vem dando certo.
Tardelli não é genial, fora-de-série, mas é versátil e funcional. Faz o que a partida pede, e tem ótima visão de jogo: sabe o momento de passar a bola, de puxar a marcação e o momento de recebê-la e arriscar para o gol. Jogou bem contra a Colômbia, e também contra o Equador. Mas precisava do gol, para mostrar que o novo 9 pode funcionar na Seleção, e que ele pode ser este novo 9. E diante do maior adversário do Brasil, marcou logo dois, mostrando oportunismo e qualidade de finalização que se espera de um centroavante – sem necessariamente sê-lo.
Esta é a cara da nova Seleção: um time que não dependa apenas de Neymar. Um time que saiba se adaptar às mudanças, que tenha jogadores capazes de executar diversas funções e que respirem o coletivo. Um time com a cara de Tardelli. (Lancenet)