A contratação do show da dupla Bruno e Marrone por R$ 1,1 milhão, prevista para 14 de março de 2026 na cidade de Axixá, no Bico do Papagaio, colocam o município no centro de um discussão maior: até onde eventos de alto custo se justificam quando o dinheiro é público? O debate ganha ainda mais tração porque a dupla aparece entre os maiores valores associados ao mecanismo federal de incentivo cultural, segundo levantamento apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues, esta semana, que citou a dupla Bruno & Marrone com R$ 45 milhões no ranking divulgado.
A Prefeitura de Axixá formalizou a contratação por inexigibilidade (nº 010/2025), modalidade permitida em casos de artista exclusivo, mas que exige robustez documental e justificativa de preço compatível com o mercado — justamente o ponto que passou a ser questionado. O próprio portal oficial do município registra o objeto do contrato e a data do show, o que reforça a transparência formal do ato, mas não encerra a pergunta mais sensível: um cachê nesse patamar, em um município de baixa arrecadação, entrega retorno social proporcional ou vira vitrine cara, com ganhos concentrados e custo espalhado?
O Tribunal de Contas do Tocantins (TCE-TO) determinou a suspensão imediata da contratação, em decisão cautelar publicada no Boletim Oficial da Corte nº 3856, apontando indícios de irregularidades graves, risco ao erário e falhas como ausência de pesquisa de preços e inconsistências no estudo técnico. O órgão também destacou cláusulas consideradas desequilibradas, com previsão de pagamento antecipado e possibilidade de não devolução de valores em caso de cancelamento por entraves burocráticos — o que, na prática, transferiria ao município o risco integral do negócio.
O caso ainda abre um flanco que artistas e produtores evitam discutir publicamente: quando o cachê vira notícia antes mesmo do palco, a pergunta deixa de ser “vai lotar?” e passa a ser “quem paga e quem fiscaliza?”. A decisão do TCE-TO não condena a realização de eventos culturais, mas sinaliza que, em municípios como a cidade de Axixá do Tocantins, o problema pode estar menos no sertanejo e mais no desenho do contrato, no preço praticado e na prioridade orçamentária — uma conta que, no fim, recai sobre o contribuinte e sobre serviços que não podem ser “adiados para depois do show”.
Outro ponto que amplia a controvérsia é o fato de a dupla Bruno & Marrone figurar entre os artistas que mais concentram recursos vinculados à Lei Rouanet, conforme levantamento apresentado no Senado Federal. Com cerca de R$ 45 milhões em valores autorizados ao longo dos anos, a dupla aparece no topo do ranking de captação via incentivo cultural, ao lado de outros nomes consagrados do sertanejo. Embora o uso do mecanismo seja legal, a coincidência entre altos valores associados à Rouanet e a cobrança de cachês milionários pagos com recursos públicos municipais reforça o questionamento sobre critérios, coerência e finalidade do fomento cultural: até que ponto artistas plenamente consolidados no mercado deveriam disputar incentivos fiscais e contratos bancados pelo contribuinte, especialmente em realidades locais marcadas por limitações orçamentárias e demandas sociais urgentes?




