Era além das dez da manhã da última quinta-feira, dia 24, quando o senhor Manoel Marciano da Silva, com 71 anos de idade, embarcou na garupa da motocicleta de seu filho, Antônio Marciano. Juntos, partiram em direção ao cartório de registro civil de Augustinópolis, situado na região do Bico do Papagaio.
Quando chegou ao balcão, recebeu do atendente exatamente o que tanto ansiava: “A certidão de óbito do senhor foi anulada, e é com satisfação que informamos que o senhor está oficialmente vivo perante a lei.”
A medida foi tomada depois que uma ordem judicial chegou no cartório mandando restabelecer ao seu Manoel, a condição de cidadão brasileiro vivo, que por 28 anos estava morto perante a lei.
É que a mulher com quem ele foi casado por duas décadas, registrou na justiça e no cartório que ele tinha morrido, depois da separação. O documento, assinado por duas testemunhas, afirma que a causa da morte ocorrida de em 1995, era desconhecida.
Segundo a certidão, seu Manoel, teria sido sepultado no cemitério público de Augustinópolis. Local que ele diz ter nunca colocado os pés.
“Não quero ir tão cedo para esse lugar, espero que Deus continue me preservando com saúde” disse o idoso.
Seu Manoel é natural do Piauí e se mudou ainda criança, com os pais, para a zona rural de Sítio Novo, município também da região do Bico do Papagaio, perto da divisa com Maranhão, em busca de uma vida melhor. Trabalhando no campo, foi lá que conheceu a ex-mulher com quem teve quatorze filhos. Dez morreram, só quatro sobreviveram, porque naquela época, não havia estradas e o acesso à saúde era muito difícil, disse o idoso, que por muitas vezes saia a procura de parteiras para ajudar nos nascimentos.
A separação ocorreu quando, segundo ele, quando a então mulher, se mudou de cidade para procurar tratamento de saúde para a filha que era diabética. Os dois acabaram se distanciando.
O aposentado só descobriu que estava legalmente morto nas eleições de 2012, numa escola na cidade de Itaguatins e os mesários o alertaram.
“Eu fui votar lá onde eu moro. Ai eu dei meu título. Eles caçaram meu nome na folha lá ai eles ‘não, seu Manoel. O senhor não vota não’. Eu digo, porque?. “seu nome não tá mais aqui não”. A moça parou e falou, “Mas aqui tá com quatro anos de falecido” contou.
Sem ter problemas maiores, seu Manoel, seguiu a rotina. Mas em 2021, as complicações apareceram e a aposentadoria foi cortada, além disso ele perdeu acesso a consultas pelo SUS.
Foi quando ele decidiu entrar na justiça. O caso surpreendeu a advogada Ana Cristina Magalhães.
“A gente nunca tinha atuado aqui no escritório em causas dessa situação. A gente já sabe que existe possibilidade de ter erro em registros. O erro quanto ao estado natural da pessoa, não é algo comum. Ele não conseguia utilizar os serviços públicos. Então a gente pegou a documentação dele cível e entrou com o processo” disse.
O tramite da ação durou quase dois anos. Um dos principais documentos que atestam que o seu Manoel não morreu, é o laudo papiloscópico com as digitais dele. Além disso, ele se apresentou ao juiz, Jefferson Asevedo Ramos, com testemunhas, que foram questionadas pelo magistrado:
- “O seu sogro ta morto? Nam , olha aqui ele ó”, respondeu a nora do idoso.
Uma vizinha, disse ao juiz: “Desde que eu me entendo por gente eu conheço ele lá…”
- A Juíza pergunta a vizinha: Durante algum tempo ele sumiu?
- Vizinha responde: “Não quase todo dia eu o vejo lá”
Convencido de que o seu Manoel está vivo, no dia 14 de agosto as 19h08, o juiz decidiu que a certidão de óbito dele deveria ser anulada. O magistrado também determinou que a Polícia Civil do Tocantins vai investigar a ex-mulher e outros envolvidos por falso testemunho e fraude em documentos.
“Qualquer documento falso ele gera danos incomensuráveis. A quantificação desse dano é muito pessoal. Se por exemplo, o seu Manoel, com base nessa informação a pessoa quisesse levar a efeito um outro casamento. Estando casada com o seu Manoel. Poderia levar porque ele já estava, entre aspas, em óbito. Poderia ter aberto inclusive um inventário” explicou Ramos emocionado, por ter tido a oportunidade de restabelecer não só a vida no papel, mas principalmente a dignidade a o idoso que sem aposentaria, sobrevive com doações.
A ex mulher do seu Manoel , não quis gravar entrevista, os filhos acreditam que a mãe tenha sido induzida ao erro, porque é analfabeta. Seu Manoel, disse que não tem mágoas e pede duas coisas:
“A saúde e o meu benefício pra chegar na minha mão” disse seu Manoel dando risada. (Com informações do G1)