O Pará encabeça a lista entre os Estados da região Norte, onde 5.251 crianças e jovens entre 0 e 17 anos vivem em condições inadequadas de saneamento, segundo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. São 2.629 pessoas nessas condições no Pará, seguido pelo Amazonas com 1.120. Elas se enquadram nas situações descritas pelo relatório ‘O Estado das Crianças do Mundo de 2012: Crianças no Mundo Urbano’, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e Juventude (Unicef) sobre experiências de pobreza e exclusão vividas por bilhões de crianças e jovens em todo o mundo. Ainda segundo o IBGE, 11,42 milhões de pessoas vivem em favelas, palafitas ou outros tipos de assentamentos irregulares no Brasil.
Na Cabanagem, um dos bairros mais violentos da capital, não é difícil encontrar situações como as retratadas pelo relatório de 141 páginas. A doméstica Francinete Maia divide a casa de madeira, construída pelo marido em uma área de invasão, com outras oito pessoas, três delas entre 1 e 5 anos. Não há creches ou escolas de ensino infantil, nem pavimentação ou saneamento, mas ela só reclama da falta de lazer para os netos. Conseguimos, com sacrifício, pagar uma escolinha particular. O problema maior é a violência e não ter para onde levá-los para passear. Aqui não tem praça. No final da tarde, eles se arrumam e não têm para onde ir. “Não podem ficar na porta, porque é perigoso, e nem tem outro lugar para sair”, reclama a doméstica, cuja renda familiar não excede três salários mínimos por mês. ‘O único lugar onde eles ainda vão passear é em um supermercado que inaugurou aqui próximo há pouco tempo. Mas não dá pra ir sempre’, diz.
Na Terra Firme, célebre pelos altos índices de violência, uma adolescente de 16 anos mora em uma casa de madeira na avenida Perimetral, com outras seis pessoas. Na residência de dois andares praticamente não há móveis. O banheiro fica do lado de fora e a situação é de vulnerabilidade total. Estudante da 8ª série do ensino fundamental, ela anda cerca de três quilômetros todos os dias para chegar à escola e diz ‘sentir falta’ de alguns serviços no bairro. ‘Gostaria que a minha escola fosse mais perto, porque as aulas começam às 13h30 e o sol está forte nesse horário. Além disso, aqui é muito perigoso, não podemos sair à noite, não há biblioteca pública, nem locais de acesso gratuito à internet. Quando preciso fazer um trabalho para a escola, tenho de pagar um cyber, mas nem sempre tenho dinheiro’, conta ela, ao relatar que dificilmente sai de casa à noite.
Adolescentes falam da carência vivida
A estudante Ana Carla Novaes, 18 anos, segura no colo a filha Sofia, de quatro meses, e reclama do que falta no bairro da Terra Firme. ‘São poucas as escolas públicas, não há creche e o posto de saúde deixa muito a desejar’, afirma. Ela reclama da irregularidade do serviço de água. ‘Falta água praticamente todos os dias’, diz a adolescente.
No Guamá, um dos mais populosos da cidade, a dona de casa Maria Socorro Mesquita, 50 anos, mora na Alameda Belém, na Avenida Bernardo Sayão, e espera ansiosa pelas obras de saneamento prometidas pela Prefeitura. Na pequena casa de alvenaria onde mora com a filha, o genro e a neta Yasmim, de 1 ano e 4 meses, a vila enche quando chove e ela teve de subir o batente para a água não invadir. ‘Por isso espero que com essas obras, isso acabe’, diz ela, que reclama da falta de escolas de ensino fundamental e médio e de unidades de saúde e da violência. ‘Se quiser passear com a minha neta, tenho que ir para a Praça Batista Campos, porque aqui não tem praças, além disso, é perigoso. Para viver melhor, teria ainda que melhorar o saneamento básico e o fornecimento de água’, diz.
Crescimento populacional foi mais veloz
O coordenador do escritório do Unicef, em Belém, Fábio Atanasio de Morais, credita os problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes de famílias pobres no Brasil é atribuído ao acelerado processo de urbanização, superior a 70% nos últimos 30 anos, enquanto a oferta de saneamento básico e ambiental, como o controle de pragas como a dengue e outros equipamentos urbanos, incluindo saúde e educação, não acompanhou esse crescimento, diz ele, ao defender ações políticas eficientes e atenção adequada a crianças e adolescentes. ‘Existem questões que precisam ser resolvidas de pronto, como a educação e a saúde. É fundamental também que os gestores públicos comecem a pensar a cidade do ponto de vista da prioridade absoluta, que são as crianças. Para isso, é importante estabelecer diálogo com a sociedade civil organizada’, afirma.
O especialista Abid Aslam, que participou das pesquisas para a elaboração do relatório e se manifestou em comunicado divulgado pelo site do Unicef, diz que há mais crianças nascidas nas cidades e os serviços de saneamento e saúde, por exemplo, não acompanham essa nova realidade.
Aslam cita as favelas no Quênia e no Brasil como exemplos de locais onde se vivencia essas situações de forma mais evidente. Para ele, a inserção dessas populações nos ambientes urbanos, sem infraestrutura adequada, leva ao aumento da violência e à ausência de itens básicos, como água potável e educação. ‘Eles (os moradores das favelas e outras regiões sem infraestrutura) não sabem, mas muitas vezes, de uma semana para a outra, de um mês para o outro, de um ano para o outro, estão vivendo cada vez com menos qualidade de vida, pois não têm condições de ir para escola nem água potável’, disse Aslam. (Jornal Amazônia)




