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sexta-feira, dezembro 5, 2025
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Pacto visa Pará sem abusos sexuais contra crianças

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No dia 1º de julho, o Tribunal de Justiça do Estado, Procuradoria Geral, Ministério Público, Defensoria Pública, representantes da sociedade civil organizada, Polícia Rodoviária Federal, Associação Brasileira da Indústria de Hotéis e Governo do Estado assinaram o termo de adesão com o intuito de organizar e promover políticas públicas e sociais conjuntas para combater e prevenir os abusos e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Pará. A iniciativa se alardeou como um ‘pacto’ contra a violência sexual de crianças e adolescentes no Pará – Estado que ainda exige muito em termos de avanços para o reforço de políticas públicas e infraestrutura de proteção. O Pará, como se sabe, possui alguns dos piores índices nessa seara, além de situações muito difíceis vividas em áreas menos favorecidas como o arquipélago do Marajó.

A coordenadora da Comissão Justiça e Paz (CJP) do Regional Norte 2 da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), irmã Henriqueta Cavalcante, não esconde a revolta ao ouvir que a exploração sexual de crianças e adolescentes no Estado poderia ter raízes culturais. “É um absurdo! Pode ser uma prática, um crime que ocorre há muito tempo, mas que precisa parar! E qualquer bom resultado nesse sentido só acontece se houver uma planejamento mais estrutural, que dê condições, qualidade de vida que impeçam essas crianças e adolescentes de acharem que a vida nas balsas é uma forma viável de subsistência”, analisa. Confira a entrevista:

P: O que há de novidade no Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes em relação ao que já vinha se fazendo antes no sentido de combater esse problema?

R: Já existia um plano, mas que estava defasado, dentre outras coisas. O novo plano contempla ações dentro de uma linha que estabelece as competências de cada instituição, e o papel da Sociedade Civil é monitorar esse trabalho. Quando nós, da CNBB, questionamos, enquanto sociedade civil, foi porque as ações não estavam sendo efetivadas.

P: E por que não estavam? Por omissão?

R: Talvez não por omissão, mas por falta de compreensão do que de fato configura uma situação de violência sexual. É muito complicado hoje em dia esse enfrentamento no Estado do Pará, porque se trata de um crime de grande dimensão na nossa região e porque é uma violência que compreende várias facetas, não é só o ato libidinoso em si. Tem a exploração, que envolve a questão comercial já que toda exploração tem retorno e implica em negociação financeira. O cenário que temos hoje de crianças e adolescentes explorados sexualmente é muito preocupante, é alarmante, principalmente no Marajó. É grande o peso da nossa comissão por conta de toda a estrutura que envolve a ação criminosa, quem está por trás de tudo isso. A gente vê crianças ribeirinhas que trocam a escola pelas rotinas nas balsas porque é ‘mais lucrativo’. E com anuência das pessoas da família, que não só admitem saberem do que acontece, mas que inclusive facilitam! É preciso ter claro desde o início que a criança, o adolescente que para em uma balsa para ser explorado não possui nenhuma qualidade de vida. Além da própria questão da sobrevivência: criança que não come, não é feliz. A que não brinca, também não é. Então, ela se vê em uma tal situação de abandono e descaso que não se enxerga como tendo direitos que devem ser garantidos, e sim como alguém que precisa correr atrás de um sustento e ainda ajudar a família.

P: Então o cenário é de infância vendida e não de infância roubada?

R: Exatamente. É infância vendida. É preciso repensar essa situação. Não temos sequer números porque para saber quantas crianças sobem nas balsas, precisaríamos de uma fiscalização mais ativa, de um monitoramento.

P: Mas as regiões ribeirinhas são, digamos, mais propícias a esse tipo de crime?

R: Existem pontos! Regiões de Breves, do rio Tajapuru, de Bagre, Melgaço e Portel compõem um cenário extremamente escandaloso em termo de exploração sexual. É terra de ninguém, onde todos os direitos são negligenciados. Quando o Plano Estadual foi anunciado, eu deixei claro que, nesse momento, não é necessário se preocupar com um plano muito bem elaborado porque só isso não é o suficiente.

P: E nem é o mais importante?

R: Eu não diria isso, porque é preciso ter referencial, é claro. É o fio condutor de qualquer trabalho. Mas acontece que é muito necessário agora que haja preocupação de todas as instituições que estão na rede de proteção da criança e do adolescente para que nos sintamos responsáveis nesse combate. A proteção e atenção às nossas famílias é problema sério, então não se trata apenas de um plano para combater somente a exploração a violência em si. Enfrentar, combater, denunciar a pobreza, a desigualdade social, colocar em prática políticas públicas nesse sentido é essencial. Porque é essa extrema pobreza e falta de condições de saúde, de educação, de segurança que levam as nossas crianças a se submeter à tamanha humilhação que é ter o próprio corpo prostituído, violentado, abusado, comercializado.

P: Já dá para prever efeitos futuros do Plano Estadual?

R: Claro que ainda é cedo, mas se for realmente executado, vai trazer muitos benefícios. Estamos lidando com crime organizado. Então nós não chegaremos ao que almejamos se não houver um trabalho conjunto e consistente para que nossas crianças se sintam protegidas. É um árduo caminho, sem dúvida, as lacunas são enormes. Não existe investimento ou preocupação em regiões como as do Marajó, como eles vão ficar? Não é só prender e pôr na cadeia o aliciador, precisa haver solução de qualidade de vida, em todas as dimensões.

P: O governo do Estado está, de fato, presente no plano? Como é o diálogo das secretarias estaduais com a Comissão de Justiça e Paz?

R: Precisamos de um plano estruturado, de baixo. Estamos com todas as secretarias, de educação, saúde, direitos humanos, assistência social, o trabalho é feito de forma conjunta, mas o nosso diálogo é de cobrança e monitoramento. O papel da sociedade civil como um todo é de extrema importância e não pode haver omissão, mas é importante deixar claro que é um trabalho complementar, não substitui a atuação do Estado.

P: A violência sexual é ainda um crime muito tolerado pela sociedade, no sentido de se calar, de não se meter…

R: A sociedade ainda se cala bastante. As pessoas precisam entender que, mais importante que a repressão é a denúncia, é a prevenção. O maior problema é quando os familiares do abusado praticam essa tolerância, o que é muito comum no Pará. A família sabe, mas cala. E quando denuncia, volta atrás pelo medo da represália. A criança passa a ser ameaçada dentro do lar, o aliciador vira a vítima! Quando o denunciado é o pai ou padastro, também não é incomum que a mãe da criança se vire contra ela. Mesmo que a fala da criança seja serena, que os exames comprovem a agressão. Aí a destruição é bem maior. Por isso o trabalho de prevenção é tão importante. Temos um caso aqui na CNBB de uma mãe que abandonou os três filhos que denunciaram o pai. Ela os deixou e preferiu o marido. O caso está na Justiça e nós estamos dando todo o auxílio para que a condenação ocorra. E ainda tem mais: nós, da CNBB, também somos criminalizados pelo trabalho que fazemos. Até mesmo processados. Somos os encrenqueiros.

P: E na hora de denunciar, como proceder ao flagrar uma situação suspeita?

R: É importante ter muito cuidado, porque se trata de uma denúncia grave. É necessário consistência e materialidade. Viu uma situação suspeita? Tira uma foto, filma, anota o nome da embarcação, a data e o horário da viagem. Aí pode ligar para o Disque Denúncia, número 100, que funciona, sim, ao contrário do que é dito por alguns. Ou busque diretamente o Conselho Tutelar ou a Delegacia de Polícia. Calar, de forma alguma. Eu tenho andado pelo interior e a situação é muito complicada. Crianças de 12, 14 anos, embarcam sem qualquer fiscalização. Claro que há delegados realmente engajados, que se unem ao Ministério Público, ao Juizado de Menores e ao Conselho Tutelar e saem à noite, de surpresa, para fiscalizar. Mas não são todos. E esse é o caminho: quanto mais próxima essa frente estiver da população, mas visível serão os casos a serem contidos. Aí eu ouço que a existência das “meninas balseiras” é muito antigo, que já é cultural. Isso é um absurdo! Antigo pode ser, mas como pode ser cultural um ato criminoso? Há de se dar um basta nisso. Até porque eu não tenho dúvida de que a violência sexual possui ligação com outros crimes igualmente graves, como o tráfico de drogas, de armas, de pessoas. Tem meninas que sobem e não voltam nunca mais. O que acontece com elas? O Estado tem que dar conta desse problema, o mais rápido possível. (Diário do Pará. Foto: )

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