Quando a gente olha os números do Tocantins, é fácil ouvir o discurso de que “estamos avançando”. De fato, o estado reduziu a pobreza: segundo dados do IBGE divulgados pelo próprio Governo do Tocantins, a população na linha da pobreza caiu de 42,8% em 2021 para 28,6% em 2023. Mais de 217 mil tocantinenses saíram da pobreza e 51 mil da extrema pobreza nesse período. Não é pouca coisa – e isso precisa ser reconhecido.
Mas basta sair das avenidas principais e entrar nos bairros da periferia, nos assentamentos rurais, nos vilarejos do Bico do Papagaio e do sudeste tocantinense, para perceber que a vida real do povo ainda é marcada por três angústias diárias: a casa que falta, a conta que não fecha e a fila que não anda.
Moradia: o teto ainda não é digno para todos
Hoje, o Tocantins tem o menor déficit habitacional da Região Norte, com 44.730 moradias em déficit – cerca de 8,2% das habitações ocupadas.
É um dado melhor que a média da região, mas longe de ser motivo de acomodação.
Por trás desse número, tem família morando de favor, casais e filhos dividindo o mesmo quarto com parentes, gente pagando aluguel caro em bairros sem asfalto, sem esgoto, sem iluminação adequada. Tem gente que espera há anos por regularização fundiária para ter, finalmente, uma escritura no próprio nome.
Moradia digna não é luxo: é porta de entrada para saúde, segurança, crédito e autoestima.
Água, esgoto e dignidade
O Tocantins gosta – com razão – de comemorar seu destaque no saneamento básico dentro da Região Norte, com Palmas figurando bem em rankings nacionais.
Mas os dados do próprio setor mostram que não podemos baixar a guarda: estudo baseado no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento apontou que, em 2020, mais de 394 mil pessoas no estado ainda não tinham acesso à rede de água, e cerca de 1,3 milhão não tinham acesso à rede de esgoto.
Isso significa que há tocantinense que ainda depende de cacimba, poço improvisado, rio e caminhão-pipa. Significa esgoto correndo a céu aberto, fossas rudimentares, valas negras, mosquitos e doenças. É criança adoecendo por diarreia e verminose; é adulto faltando ao trabalho porque está doente; é mais pressão sobre o SUS.
Se a água que chega à torneira é cara e, muitas vezes, falha, a dignidade vai embora junto com o salário no fim do mês.
A conta de luz que sufoca o orçamento
Quem vive no Tocantins sabe: o calor não é brincadeira. Ventilador, geladeira, às vezes um ar-condicionado simples… tudo isso, somado, aparece na fatura no fim do mês.
Em 2024, a ANEEL aprovou um reajuste de 8,96% para os consumidores residenciais da Energisa Tocantins.
Quase 9% a mais numa única tacada.
Para quem ganha pouco, é um baque pesado. A conta de luz passou a disputar espaço com o gás, a feira do mês, o remédio, o material escolar. Em muitos lares, virou rotina escolher:
“Ou eu pago a luz, ou compro tudo que preciso no mercado.”
E não é que falte apenas renda. Falta também política pública ativa para ampliar o alcance da tarifa social, atualizar CadÚnico, orientar a população, incentivar energia solar popular e combater desperdícios dentro da própria rede de distribuição.
A conta de água que pesa e a ausência onde ela nem chega
A situação da água é contraditória:
- Onde há rede, a população reclama de tarifa alta, serviço que falha e, às vezes, contas por estimativa que não batem com o consumo real.
- Onde não há rede, o custo é outro: perfurar poço, comprar bomba, manter caixa d’água, contratar caminhão-pipa quando tudo falta.
No fim, o resultado é um só: a conta de água, direta ou indireta, pesa mais no bolso de quem menos pode pagar.
Saúde e filas: quando a espera adoece ainda mais
Na saúde, o Governo do Tocantins divulga números importantes: desde 2021, mais de 31 mil pessoas foram retiradas da fila de cirurgias eletivas, com recordes de procedimentos em 2023 e 2024, incluindo 6.744 cirurgias realizadas entre fevereiro e junho de 2024 pelo Programa Nacional de Redução de Filas.
É um avanço inegável.
Mas quem vive o dia a dia nos corredores dos hospitais regionais, UPAs e postos de saúde sabe que ainda há:
- Gente esperando meses por uma consulta com especialista.
- Pacientes rodando de ambulância entre municípios em busca de vaga.
- Mães em filas de madrugada para tentar ficha para o filho.
- Idosos esperando cirurgia de catarata, joelho, quadril.
A pergunta que eu faço, como cidadão e advogado tocantinense, é simples:
Por que o povo precisa esperar tanto para ter acesso ao mínimo?
Quando uma criança fica doente porque bebe água de má qualidade, quando uma família passa calor porque não consegue pagar a conta de luz, quando uma mãe perde o dia de trabalho para tentar vaga num hospital, não estamos falando apenas de números. Estamos falando de vidas interrompidas, sonhos adiados e dignidade ferida.
O que o Tocantins precisa fazer
Não basta anunciar programas; é preciso fazer chegar na ponta. O Tocantins precisa:
- 1. Moradia:
- Acelerar regularização fundiária urbana e rural.
- Priorizar habitação popular nas áreas de maior déficit, com infraestrutura completa: água, esgoto, luz e pavimentação.
- 2. Água e saneamento:
- Universalizar, de fato, o acesso à água tratada.
- Ampliar rede e tratamento de esgoto, fiscalizar metas de concessionárias e contrapartidas.
- Atuar com força em educação sanitária e proteção de mananciais.
- 3. Luz e energia justa:
- Intensificar o alcance da tarifa social, cadastrando automaticamente quem tem direito.
- Apoiar projetos de energia solar popular, especialmente para famílias de baixa renda e pequenos produtores rurais.
- Discutir com a agência reguladora formas de reduzir o impacto dos reajustes para os mais vulneráveis.
- 4. Saúde e filas:
- Transformar o esforço extraordinário em cirurgias eletivas numa política permanente de redução de filas, não apenas em mutirões.
- Interiorizar especialistas, fortalecer hospitais regionais e melhorar a regulação de leitos e exames.
- Investir pesado em atenção básica, para evitar que doenças simples virem casos graves.
Conclusão: o Tocantins que eu acredito
Eu acredito em um Tocantins em que ninguém precise escolher entre pagar a luz e comprar remédio, em que toda casa tenha água tratada e esgoto, em que o hospital não seja sinônimo de humilhação e espera infinita, mas de acolhimento e solução.
O povo tocantinense é trabalhador, criativo, resistente.
O que falta não é coragem nas pessoas – é prioridade nas políticas públicas.
Enquanto advogado e filho desta terra, eu escolho ficar ao lado de quem está na ponta:
Da família que luta para pagar as contas, da mãe que madruga na fila, do idoso que espera cirurgia, do produtor que vê a conta de energia engolir o que ele colheu.
O Tocantins pode mais.
E a nossa luta é justamente para que a conta de luz, a conta de água e a conta da vida não continuem pesando mais do que a esperança.
Por André Luiz Sousa Lopes, Advogado




